CXNobre

Estados de Espirito

Falta um disco - Carlos Drummont de Andrade



"Amor,estou triste porque sou o único brasileiro vivo que nunca viu um disco voador.
Na minha rua todos viram e falaram com seus tripulantes na língua misturada de carioca e de sinais verdes luminescentes que qualquer um entende, pois não?
Entraram a bordo (convidados)voaram por aí por ali, por além sem necessidade de passaporte e certidão negativa de IR, sem dólares, amor, sem dólares. Voltaram cheio de notícias e de superioridade. Olham-me com desprezo benévolo. Sou o pária, aquele que vê apenas caminhão cartaz de cinema, buraco na rua e outras evidências pedestres. Um amigo que eu tenho todas as semanas vai ver o seu disco na praia de Itaipu. Este não diz nada pra mim,de boca, mas o jeito, os olhos! contam de prodígios tornados simples de tão semanais apenas secretos para quem não é capaz de ouvir e de entender um disco. Por que a mim, somente a mim recusa-se o OVNI?Talvez para que a sigla de todo não se perca, pois enfim nada existe de mais identificado do que um disco voador hoje presente em São Paulo, Bahia Barra da Tijuca e Barra Mansa.(Os pastores desta aldeia já me fazem zombaria pois procuro, em vão procuro noite e dia o zumbido, a forma, a cor de um só disco voador.)Bem sei que em toda parte eles circulam: nas praias no infinito céu hoje finito até no sítio de um outro amigo em Teresópolis.Bem sei e sofro com a falta de confiança neste poeta que muita coisa viu extraterrena em sonhos e acordado viu sereias, dragões o Príncipe das Trevas a aurora boreal encarnada em mulher os sete arcanjos de Congonhas da Luz e doces almas do outro mundo em procissão.Mas o disco, o disco?Ele me foge e ride minha busca.
Um passou bem perto (contam)quase a me roçar. Não viu? Não vi.Dele desceu (parece)um sujeitinho furta-cor gentil puxou-me pelo braço: Vamos (ou: plnx),talvez...?Isso me garantem meus vizinhos e eu, chamado não chamado insensível e cego sem ouvidos deixei passar a minha vez.Amor, estou tristinho, estou tristonho por ser o só que nunca viu um disco voador hoje comum na Rua do Ouvidor.
"

Carlos Drummont de Andrade

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